A decisão já está tomada, mas a polêmica continua. A partir do meio do ano, as tradicionais charretes de Paquetá e os seus bravos cavalinhos não vão mais circular pela Praia da Moreninha e por outros pontos que o romance de Joaquim Manuel de Macedo tornou famosos. Alguns moradores protestam, dizem que esse será o fim definitivo da ilha, que hoje já não recebe tantos turistas. Outros celebram o fim dos maus-tratos aos animais, prática que existe desde o século XIX.

Ao longo dos anos, ao menos seis processos foram abertos pelo Ministério Público Estadual para apurar denúncias de violência contra os cavalos. Dois condutores foram expulsos da Associação dos Charreteiros de Paquetá (Charretur) acusados de desleixo com os animais, o que manchou a imagem do grupo.

Hoje, ainda é possível ver uma fila de charreteiros formada ao lado da Praça Pedro Bruno, à espera de quem cruza a Baía de Guanabara de barca até a ilha. Aos pares, os cavalos são amarrados às charretes e se tornam o motor deste veículo. Chegam a transportar de uma só vez até oito pessoas. Com bufadas fortes, conduzem os visitantes por ruas esburacadas. Uma realidade que acabará em breve.

Um acordo firmado entre a Ordem dos Advogados do Brasil seção Rio (OAB) e a Charretur decidiu encerrar a atividade e trocar charretes e cavalos por carros elétricos. Segundo Reynaldo Velloso, da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB, era preciso dar fim à “herança do chicote”, referindo-se à tradição de transferir as charretes de pai para filho.

A prefeitura, por meio da Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, já liberou R$ 1,1 milhão para a aquisição de veículos e deve abrir ainda esta semana o edital de licitação da compra. O modelo e a quantidade de carros ainda não foi confirmada, mas há chance de ser uma frota de carrinhos de golfe.

“Não queríamos acabar com a atividade, mas a situação está difícil. O turismo está em queda, o preço da ração não para de subir e temos vários encargos com veterinários. Um gasto médio de R$ 1.500 por mês, sendo que a gente nem consegue faturar isso com as corridas”, disse Jorge Rosas, presidente da Charretur.

Quinze charretes circulam por Paquetá, puxadas por 31 cavalos. Os animais são guardados em um estábulo construído pela prefeitura em 2003, mas que está interditado desde 2010, depois de sofrer sérias avarias provocadas por chuvas, que causaram a morte de um cavalo. Nas baias precárias, alguns animais aguardam a próxima jornada de trabalho. Um deles está ferido.

“Não tem outra opção na ilha para guardar os animais”, disse Roberto Liberato, proprietário de charrete há 32 anos e que teve seu cavalo confiscado. “Estou parado há um ano. Tenho que ser biscateiro, pescador e carreteiro para cuidar dos meus quatro filhos”, explica.

Fim da tradição divide a cidade

A decisão deixou os moradores em polvorosa. Alguns temem a fuga de visitantes com o fim da atividade que funciona como “relações públicas” da ilha, como os charreteiros classificam.

“A atração de Paquetá é a charrete. As praias já são horríveis, tem poucos restaurantes, há falta de investimentos em infraestrutura. Desse jeito, ninguém mais vai vir para cá”, reclama Jaqueline Cardoso, caixa de supermercado e moradora de Paquetá há 37 anos.

Mas há quem comemore. Regina Soares, que vive há mais de 40 anos por lá, cita já ter presenciado o desmaio de alguns cavalos e, por isso, é favorável ao fim da prática. “É uma tradição à base de maus-tratos. A prefeitura não fiscaliza direito escolas e postos de saúde, como é que vai fiscalizar as charretes? Já passou da hora de acabar”, disse ela.

Fonte: Site Projeto Colabora – 6/5/2016.

Disponível em: https://projetocolabora.com.br/cidades/o-fim-da-heranca-do-chicote/