RIO — Em meio à algazarra típica das feiras livres, o homem recostado em caixotes destoava dos demais vendedores e, diante da aproximação de um possível freguês, anuncia quase num sussurro: “Vendo filhote de papagaio”. Ele não imaginava, mas estava negociando com um policial da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, que usava um disfarce para flagrar a venda ilegal de animais silvestres. O criminoso foi detido, mas não permaneceu na cadeia. No ano passado, agentes da unidade resgataram 893 animais silvestres, 88,7% a mais do que no ano anterior.
O aumento, contudo, deixa à mostra apenas uma pequena fração desse mercado ilegal. De acordo com a ONG WWF Brasil, o Brasil figura entre os países que mais exportam animais silvestres ilegalmente, algo em torno de 12 milhões anualmente.
O delegado Fernando Reis reconhece que o combate ao tráfico e a comercialização de animais silvestres é complexo e tem no comprador um dos maiores obstáculos:
— É preciso conscientizar as pessoas para que não comprem esses animais. Papagaios, micos, jabutis e até tucanos são comprados para presentear um filho. A prática é criminosa e alimenta um enorme mercado ilegal — ressalta Fernando Reis.
— Como a legislação define que infrações com penas de no máximo um ano são consideradas de menor potencial ofensivo, nenhum dos envolvidos pegos em flagrante vendendo animais silvestres fica preso — diz o delegado.
Integrante do Núcleo de Repressão aos Maus-tratos de Animais da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), o inspetor e veterinário Bruno Peres lembra do caso de um homem detido em flagrante vendendo aves silvestres em três feiras distintas:
— Eu acompanhei as três prisões, todas em flagrante. Em todos os casos, ele acabou liberado e o inquérito foi remetido ao Juizado Especial Criminal (Jecrim) — disse.
O mesmo aconteceu com o homem flagrado vendendo animais nos arredores da feira de Honório Gurgel. Ele estava com mais de 70 aves silvestres amontoadas em pequenas caixas de madeira no porta-malas de um carro estacionado sob o sol. O acusado faz parte de uma família que já teve ao menos três integrantes presos em ocasiões distintas por negociar animais silvestres. Os investigadores da DPMA trabalham atualmente na identificação de elos entre os suspeitos para estabelecer crime de formação de quadrilha, o que poderá resultar em penas maiores para os envolvidos.
As redes ligadas ao tráfico de animais silvestres geralmente capturam os espécimes no sul da Bahia, Mato Grosso e até em estados da região Norte. Os animais são transportados em péssimas condições, escondidos sob cargas variadas. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), de 2005 a 2010, o órgão emitiu mais de R$ 600 milhões em multas por crimes envolvendo animais silvestres. No mesmo período, só recolheu 2% desse valor.
AVE COM PENAS ARRANCADAS
Nesse cruel e lucrativo mercado, um filhote de papagaio pode ser negociado por valores entre R$ 400 e R$ 1 mil. Já um tucano pode ser negociado por até R$ 7 mil. Valor semelhante ao cobrado por uma arara-canindé, como a que foi resgatada num barraco no Morro da Pedreira, em Costa Barros. A ave estava numa gaiola tão pequena que as penas da cauda foram arrancadas para que coubesse no espaço.
Fonte: O Globo – 24/2/2015.
Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/apreensao-de-animais-silvestres-pela-delegacia-de-protecao-ao-meio-ambiente-sobe-88-no-rio-15420120
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